quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

PALESTRA DE ABERTURA - Por Professor Neto Fonseca


ETICA NAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E VARIANTES.
Professor Firmino Fonseca – NETO FONSECA

Geógrafo
Especialista em Gestão Ambiental
Especialista em Gestão de Qualidade ISO 9001:2000
Presidente do Centro Cultural DANBIRAXÉ – CCDAN
Secretário Geral da Associação Cultural AXÉ DAS YABÁS - ACAY
Coordenador Geral da Coordenação Amazônica de Religiões Africanas e Ameríndias –CARMAA/ Núcleo Maranhão.


ÉTICA
Originada do grego ethos (modo de ser, caráter), e do latim mos (costumes, de onde deriva a palvra moral). Em filosofia, ética significa o que é bom para o indivíduo e para a sociedade. Entender o sentido de ser ético contribui para estabelecer a natureza dos deveres no relacionamento do indivíduo-sociedade.

MORAL
É o conjunto de normas, princípios, preceitos, costumes, valores que norteam o comportamento do indivíduo no seu grupo social.
Moral e ética não devem ser confundidos : enquanto a moral é normativa, a ética é teórica, busca justificar costumes de uma sociedade, e fornece subsídios para solucionar seus problemas mais comuns.
Ética também não deve ser confundida como lei, embora com certa frequência a lei tenha como base princípios éticos. Ao contrário do que ocorre com a lei nenhum indivíduo pode ser compelido, pelo Estado ou por outros indivíduos, a cumprir normas éticas, nem sofrer sanção por desobediência a estas.
A ética é uma característica inerente a toda ação humana e, por esta razão, é um elemento vital na produção da realidade social. Todo ser humano possui senso ético, uma espécie de “consciência moral”, estando constantemente avaliando e julgando suas ações para saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas.
Existem sempre comportamentos justificáveis sob a ótica do certo e do errado, do bem e do mal. Embora relacionada com o agir individual, essas classificaçãoes têm relações com matrizes culturais e contextos históricos.
A ética está relacionada a opção, ao desejo de realizar algo a vida, mantendo relações com os outros relções justas e aceitáveis. Via de regra, está fundamentada nas idéias de bem e virtude enquanto valores perseguidos por todo ser humano e cujo alcance se traduz numa existência plena e feliz.
A ética não é algo superposto à conduta humana, pois todas as nossas atividades envolvem uma carga moral. Idéias sobre o bem e o mal, o certo e o errado, o permitido e o proibido, definem nossa realidade.
Em nossas relações cotidianas sempre estamos diante de problemas do tipo: devo dizer a verdade ou existem ocasiões que posso mentir? Será que é correto tomar tal atitude? O homem é um ser-no-mundo, que só realiza sua existência no encontro com outros homens, sendo que , todas as nossas ações e decisões afetam as outras pessoas. Nesta co-existência naturalmente tem que existir regras que coordenem e harmonizem esta relação. Estas regras no grupo indicam os limites em relação aos quais devemos nos submenter. São códigos culturais que nos obrigam, mas ao mesmo tempo nos protegem.
Falar de ética dentro do contexto religioso nos impulsiona a separar o bem do mal. Falar de religiões de matriz afircana e suas variações devemos nos distanciar de valores cristãos como pecado, ja que esta palavra não diz respeito à nossa prática religiosa. As religiões afro-descendentes possuem normas que nem sempre são do conhecimento dos Pais, Mães e filhos-de-santo. Para sociedade externa ao campo de ação do axé, estas normas, condutas nem existem. Ora como podem dizer que não temos normas em nossa prática se cultuamos a natureza e de lá apanhamos nosso fonte de força, nossa energia. Os elementos que retiramos do espaço natural ou transformado a ele é devolvido sem desencadear desenquilíbrio ecológico. Os saberes ancestres legados pela oralidade nos conduzem a comportamentos relacionais baseados em respeito mútuo. Tais saberes, transmitidos na convivência dos terreiros, nos processos iniciáticos, nas cerimônias públicas versam sobre aceitação, inclusão e sentido de pertença. As religiões afro-brasileira possuem um corpo doutrinário, uma visão de mundo própria que muitos praticam sem perceber que são normas de conduta. É claro que com a modernidade, a facilidade de contato entre espaços acelera o contato com outros povos e novas culturas que podem levar a idéia de homogeinização, fato que discordo, pois a sustentabilidade da nossa crença está na fidelidade a tradição. Contudo, a perpetuação da tradição depende da educação de axé, aquela que se recebe a partir do momento que se “nasce para vida religiosa dentro do santo”.
Vivemos uma crise ética, um momento tenso, marcado pelo individualismo com perigosa quebra de valores coletivos, comunitários e solidários. Nesse contexto vemos as religiões afro-descendentes reféns de um projeto de descrença e desmoralização por algumas igrejas pentecostais e neo-pentencostais que lançam mão do poder econômico e tecnológico e disseminam 24h por dia discursos ideológicos negativos descredibilizando nossa tradição além do descaso do Estado.
A força desse projeto vem da fragilidade de nossas relações sociais. Será que não contribuimos com isso ao ver nossos pares como diferentes, como errados? Não há de se negar que o desvio da tradição é fato, entretanto a cultura evolui, mas a êssencia do conhecimento ancestral é imutável. É valido fala de adaptação mas é muito perigoso lançar mão da recriação, agregação e justaposição dentro da religião de matriz africana. Trocar o fogo a lenha por combustível industrializado, gás de cozinha, é muito diferente de enrolar um acaçá com papel crepom verde. Quando não se cumpre normas e se completa um período iniciatico, por pressa ou presunção é inevitável que algum momento se bata de frente com o desconhecido, neste caso“inovar”, é um forte exemplo de falta de ética dentro da nossa religião e principalmente de fraqueza de educação de axé.
Alguns exemplos de falta postura ética dentro do contexto das religiões de matriz africana:
1 – Respeitar a nação do outro, sua história, sua origem, apesar das diferenças descendemos de um mesmo espaço físico e mítico, a Mãe África;
2 –Respeitar os mais velhos é imperativo, ora se nossa crença é baseada na ancestralidade, e nosso conhecimento é milenar, assim o que fazemos no presente veio do passado, veio dos mais velhos. Talvez aquele Pai ou Mãe de santo não use um discurso formal, acadêmico, mais isto não da direito aos mais novos, que teve mais acesso a cultura formal, ignorar, desresoeitar e até mesmo ridicularizar. Quem hoje é pai, foi filho, teve ou tem avô e bisavô.
3 – Cuidado com o tratamento às visitas em dias de festa. Esta pessoa deixou outros compromissos para nos prestigiar.
4 – Não confundir a religião com quetões sexuais. Nossa religião não nos tolhe, mas o incesto é quebra de axé. Além disso, não se deve utilizar a religião para exteriorizar frustações sexuais pelo uso da autoridade para servir a seus desejos físicos, isto é assédio e dá cadeia.
5 – Temos que parar de nos ver como concorrentes, já temos inimigos demais fora do nosso contexto religioso. Não devemos nos considerar melhor ou superior ao outro. A discórdia só nos enfraquece. Por que se desfazer do outro que é do seu mesmo vodum, orixá ou encantado. As divindades não são propriedades particulares. Eles é que nos escolhem e não o inverso. Meu vodum no meu orí não tem que se comportar igual a um pai ou mãe de santo antigo para ser légítimo. Ora dois músicos ao tocarem o mesmo instrumento usando a mesma partitura o som será mais melodioso no músico mais velho. O plágio de possessão não é crime mas se configura como devaneio e insegurança.
6 – A religião não pode ser considerada como único meio de subsistência. Cobrar chão é visto com axé mas exploração é crime, é estelionato.
7 – Ser ético é aceitar suas limitaçãoes, pedir ajuda, trocar saberes. Abominável é brincar com problemas, vidas e cabeças alheias.

Poderia me estender a noite inteira pois muito se precisa melhorar. Esta é a proposta deste seminário, iniciar uma discussão seria sobre o nosso Tambor de Mina, onde estamos, o que estamos fazendo, onde iremos parar. Assim é de extrema importância a participação de cada um de vocês durante o evento, nos debates, nas discussões. Pois estaremos dando o início de um processo de construção coletiva de um código de ética dentro da nossa religião. Pois, sabemos onde estamos e temos que definir onde chegar.
Bênção dos mais velhos, benção aos mais novos, kolofé, mukuiu, megito, benói, motumbá, sarvá, mantinjáló.
Boa noite a todos.

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