sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

I Seminário FALA VODUNSI: A Secularidade e o Tambor de Mina, onde estamos, para onde iremos? - RELIGIÃO E CIDADANIA: Nossos Direitos

Prof. Ilma Fátima a primeira da esquerda para direita




Profª. ILMA FÁTIMA DE JESUS

Mestra em Educação pela Universidade Federal do Maranhão. Educadora, Especialista em Educação, atua na formação continuada de Coordenadores/as Pedagógicos/as e Professores/as da Rede Municipal de Educação

Coordenadora da Equipe da Proposta Curricular, do Projeto de Regularização do Fluxo Escolar e do Projeto A Cor da Cultura na Superintendência da Área de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação de São Luís, na qual atua desde a nomeação em 2002.

Supervisora Escolar na Secretaria de Estado da Educação, atuando na Superintendência de Modalidades e Diversidades Educacionais, nomeada a partir de 2008.
A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO NEGRO NA RE-EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

REFLEXÃO: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. (Nelson Mandela).

As críticas efetuadas historicamente pela militância do movimento negro em relação ao currículo escolar, em face da ausência da história da África e do negro no Brasil, a fim de se assegurar a formação de uma identidade étnico-racial positiva às crianças e adolescentes afro-brasileiros, assim como a forma estereotipada e preconceituosa como o negro e a negra são apresentados nos livros didáticos, abriram espaços para discussão do racismo na educação. Daí o surgimento da Lei 10.639, que modifica a LDB e insere o ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana no currículo escolar.

FORMAÇÃO DOS/AS PROFESSORES/RAS
A necessidade formação de professores/as para lidar com as questões étnico-raciais na sala de aula é latente para que direções teórico-metodológicas adequadas sejam incorporadas pelos profissionais da educação na prática pedagógica, uma vez que a formação inicial, ou seja, os cursos de graduação ainda não contemplam disciplinas sobre gênero, etnia, racismo e identidade étnico-racial na educação, o que acaba por não contribuir para o combate a situações de preconceito e discriminação de gênero e etnia na escola, provocando danos na formação identidade étnica e auto-estima das crianças negras, fator relevante para o seu desempenho nos estudos, já que ocorre uma desvalorização da identidade, prejudicando a aceitação inerente negritude.

Formação Inicial: A lacuna da formação inicial, sem possibilitar uma habilitação para transmissão ao alunado de informações que os auxiliem a entender a dimensão biológica, histórica e política das diferenças de gênero e de etnia da humanidade, não contribui para que os que se formam se tornem aliados nesse processo, uma vez que somente professores e professoras sensíveis à questão poderão desenvolver atitudes firmes e apropriadas com relação a atitudes preconceituosas e a atos discriminatórios no contexto escolar, no material didático, disponibilizando-se a discutir e reconhecer seus próprios preconceitos por encontrarem-se receptivos às sugestões para mudança de postura.

Bandeira de Luta: Uma das bandeiras de luta do movimento negro tem sido a de valorizar o negro, chamando a atenção para sua contribuição na construção do país, o que traria uma valorização positiva para as nossas raízes culturais africanas, podendo levar afro descendentes a valorizar e identificarem-se com nossas raízes, o que poderia contribuir para elevar ou resgatar a identidade étnico-racial e conseqüentemente a auto-estima negra. Mas por um longo tempo, as reivindicações específicas do movimento negro caíram no esquecimento.

História da Educação
A própria História da Educação Brasileira ignora as iniciativas de educadores negros e educadoras negras no campo educacional, desde a criação de escolas, movimentos de alfabetização da população negra e, o mais importante, as propostas pedagógicas que contemplem a especificidade e pluralidade étnica do alunado. As avaliações sobre currículo também não consideram as reflexões sobre a necessidade de um currículo escolar contemplando a diversidade étnica da sociedade e a ausência de imagens ou a veiculação de imagens estereotipadas de negros e negras no material didático.

Caminhos
A viabilidade de uma proposta de inserção de conteúdos reivindicados há tempos pelo movimento negro, depende também da preparação de professoras/es a fim de que saibam lidar com o multiculturalismo e a eliminação de atitudes preconceituosas e discriminatórias na prática pedagógica, no material didático e no currículo escolar, uma vez que a formação contínua dos profissionais da educação será positiva se estiverem abertos e receptivos pois são mediadores na construção dos conhecimentos, na interação que deve ser promovida na sala de aula entre alunas/os das várias etnias que compõem a população brasileira.

Estudos Africanos
A sugestão de introdução de estudos africanos a partir da inserção da história africana no currículo escolar a fim de que sejam resgatados pontos positivos de referência às/aos alunas/os negras/os remonta décadas e vem de encontro ao fato de que as instituições escolares não oferecem ao alunado negro condições de socialização que promovam o pleno desenvolvimento de suas potencialidades para a assunção da nossa verdadeira identidade étnico-racial e para o fortalecimento da auto-estima.

Lei 10.639
Para as/os militantes do movimento negro, as históricas reivindicações tomaram outro rumo nacionalmente, a partir da assinatura da Lei 10.639, em 2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Isto implica considerar, de agora em diante, o cultivo da alteridade de caráter étnico e as implicações de reconhecer-se diferente, de um lado, e de outro, admitir uma identidade específica, como a negra, o que quebraria resistências pautadas na tese da democracia racial que perpetua a assimilação da identidade do outro.

Plano Nacional de Educação
O Plano Nacional de Educação aponta para uma educação que forme pessoas mais aptas a assimilar mudanças, mais autônomas em suas escolhas, que respeitem as diferenças e superem a segmentação social. A formação de professoras/es para educação das relações étnico-raciais e de gênero, seja inicial, contínua ou em serviço, precisa estar atenta para uma formação voltada para uma prática educativa multicultural.

O cumprimento da Lei 10.639
O cumprimento da Lei 10.639 pode colaborar para que programas de formação continuada sejam desenvolvidos para coordenadores/as pedagógicos/as e docentes, que venham de encontro à reformulação do currículo para que se rompa com um modelo pedagógico que invisibiliza a contribuição do negro na construção da identidade brasileira, propiciando a professoras/es e alunas/os a apropriação de saberes sobre história e a cultura afro-brasileira, fazendo uma releitura da história do mundo africano do período pré-colonial, com seus reinados e impérios, sua cultura e seus reflexos sobre a vida dos brasileiros, uma vez que o modelo que vem sendo trabalhado prioriza o lado eurocêntrico.

REFLEXÃO
... na formação permanente dos/as educadores/as, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática.
É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.

Paulo Freire

Visibilidade
• A garantia de visibilidade ao afro-brasileiro poderá promover a cidadania e a eliminação da desigualdade étnico-racial, com a inserção de uma proposta pedagógica multirracial e interética que proporcionará uma identificação maior com as nossas raízes africanas tendo em vista o fato de que o negro foi levado a não se identificar como tal. Ao mesmo tempo, poderão surgir materiais pedagógicos do nosso ponto de vista contendo verdades históricas, corrigindo erros e materiais preconceituosos veiculados nas escolas.
A partir da lei, as escolas devem incluir nas ações pedagógicas as contribuições histórico-culturais de origem africana, além das dos outros povos que compõem a nação brasileira nos conteúdos curriculares, projetos e programas, cabendo o desencadeamento de ações de estudo para abordagem da temática, buscando fundamentação nas bases filosóficas e pedagógicas para o assunto. Podemos fazer a nossa parte, agora com o amparo da lei.

A história oficial, assim como o discurso pedagógico internalizado por nossas crianças, falam do brasileiro como um ser “cordial” e afirmam que a história do nosso povo é um modelo de soluções pacíficas para todas as tensões e conflitos que nela tenham surgido. Por aí pode-se imaginar o tipo de estereótipos difundidos a respeito do negro: passividade, infantilidade, incapacidade intelectual, aceitação tranqüila da escravidão etc.
Lélia Gonzalez


Indicadores utilizados I Conferência de Promoção da Igualdade Racial, realizada em Brasília, no período de 30 de junho a 02 de julho de 2005, sob a coordenação geral da SEPPIR

• Educação - Dados publicados pelo IBGE em 2003, mostram que as taxas de analfabetismo no Brasil das pessoas de cor negra/preta e parda correspondiam a 16,7% e 17,3%, respectivamente, enquanto a das pessoas de cor branca equivalia a 7,5%. Ainda, a população de 10 anos ou mais de cor branca possui, em média, 7,1 anos de estudo e a população de cor negra/preta, 5,5 anos e a de cor parda, 5,2 anos. Esses indicadores exemplificam como o sistema educacional brasileiro é discriminatório e produz uma realidade singular para os alunos e alunas negros: 1) a entrada precoce no mercado de trabalho; 2) a baixa qualidade do ensino público, onde se concentra a maioria dos estudantes afrodescendentes; 3) a imposição de um conteúdo programático que não valoriza o universo dos afrodescendentes e, portanto, não estimula a elevação de sua auto-estima; 4) a presença do racismo e do preconceito em sala de aula e no ambiente escolar, que reduz o estímulo à continuidade dos estudos.
• Pobreza – As/os negras/os representam 69,3% da camada constituída pelos 10% mais pobres e, apenas, 8,2% da constituída pelos 1% mais ricos. Os indicadores de pobreza e de indigência são muito mais elevados entre as/os negras/os do que entre as/os brancas/os. Segundo o IPEA, em 2001, 34% dos brasileiros foram considerados pobres, isto é, viviam abaixo da linha de pobreza. Neste mesmo ano, verificou-se que 47% da população total de negras/os era pobre. Entre o total de brancas/os, a proporção de pobres era de 22%. Ou seja, cerca da metade das/os negras/os vivia abaixo da linha de pobreza. Quanto à proporção de negras/os entre os pobres, apontaram-se um percentual de 61%. Da população brasileira 15% vivia abaixo das linhas de indigência, o total da população negra, 22% era indigente, entre o total de brancas/os, esse percentual era de 8%.
• A Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”, passou a ter o Art. 1º vigorando acrescido dos seguintes artigos: “Art. 26-A - Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira e Africana.”

Lei 10.639/03
Art.79 B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional de Consciência Negra”.


REFLEXÃO
Alguns de nós não receberam na educação e formação de cidadão e cidadãs, de professores/as e educadores/as, o necessário preparo para lidar com o desafio que a problemática da convivência com a diversidade e as manifestações de discriminação dela resultadas colocam quotidianamente na nossa vida profissional. (MUNANGA, 2000, p.7)

Reeducação das Relações Étnico-Raciais
Na educação, a abordagem dos valores civilizatórios africanos é fator importante para a reeducação das relações étnico-raciais. Alguns desses valores são:
• Circularidade - O círculo é uma característica profunda das manifestações afro-brasileiras, como a roda de capoeira, a roda de samba, tambor de crioula, as conversas ao redor de uma fogueira ....
• A energia se move em círculo que não se fecha nem se cristaliza, mas gira, circula, transfere-se... (BRANDÃO, 2006a).
• Oralidade - Valorizar a fala é propiciar a escuta. A lenda, a música, o conto, o fuxico, o não-dito, o dito... fazem parte dessa oralidade (BRANDÃO, 2006a).
• Energia vital (ASE) - A energia vital tem característica sagrada e está em consonância com tudo que faz parte da natureza. Esses elementos se relacionam e sofrem influências uns dos outros (BRANDÃO, 2006a).
• Corporeidade - O corpo é convocado a falar em sua amplitude de forma individual ou coletiva.
• Musicalidade - A música com suas variações estão contidas na cultura e na história afro-brasileira. Muitos de nossos ritmos são de origem africana.

• Ludicidade Nem mesmo o processo cruel do tráfico negreiro, destruiu a capacidade dos africanos de brincarem, dançarem, jogarem e sorrirem. Esse jeito feliz marcou a cultura do nosso país possibilitando uma ludicidade a favor da vida.
• Cooperatividade/Comunitarismo - Um grande valor atribuído à cultura afro-brasileira é o coletivo. Não existe manifestação cultural negra que seja individual. Vejamos uma roda de samba, um culto afro-brasileiro, além de não se comer feijoada sozinho.
• Memória - É preciso recuperá-la pois o racismo a esconde, a nega.
• Religiosidade - O divino, o sagrado, não exclui. Contempla a todos(as): crianças, mulheres, jovens, idosas, alegres, guerreiras, dengosas, brigonas, homens, idosos, homossexuais, bissexuais... pessoas capazes de lutar pelo bem ou pela destruição do mal.
• Ancestralidade - A História traz a dimensão de saber – poder, através dos mais velhos que foi e são testemunhas da História.
Isso não resume-se apenas em trabalhar um conteúdo, mas através de uma abordagem crítica e positiva sobre a história da África e dos africanos fomentar mudanças nas maneiras de ver, ler e ser a brasilidade que é constituída pela contribuição de diferentes povos africanos.


DIREITOS
• O preconceito às religiões de matriz africana e as formas de combatê-lo precisam ser mais amplamente discutidos pois o estado brasileiro se diz laico na Constituição de 1988, mas algumas posturas deixam dúvida em relação à religiosidade da nação. O nosso país beneficia algumas religiões e se esquece de outras, principalmente das religiões de matriz africana.
• O Ensino Religioso, que faz parte do currículo das escolas públicas, no ensino fundamental, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9394/96, art. 33, precisa deixar de trabalhar apenas a existência de elementos da religiosidade cristã nas instituições públicas de ensino e trabalhar a religiosidade de matriz africana no mesmo patamar de importância, eliminando o desrespeito, respeitando a garantia de respeito constitucional.

Religiões afro-brasileiras
Um grande número de africanos e seus descendentes buscaram recriar as suas religiões de origem, formando grupos para a prática religiosa dos rituais e para a transmissão das tradições. Estes grupos se autodenominaram “nações” e os nomes adotados se referem às etnias, cujas culturas são predominantes entre eles. Tais criações foram mais bem sucedidas nos locais de maior concentração de escravos e seus descendentes, especialmente nas cidades portuárias que mantiveram atividades comerciais com os países da África até as primeiras décadas do século XX. No Brasil, foram especialmente as cidades de São Luís, Recife, Salvador e Rio de Janeiro. (FARIAS)

Sobre a religiosidade de matriz africana

As práticas religiosas passaram a constituir-se em uma espécie de síntese dos elementos culturais, fossem de fé, fossem de costumes e rituais dos seus participantes, pelo fato das populações de africanos e seus descendentes não serem homogêneas, ou seja, estavam constituídas pela convivência de pessoas provenientes de diferentes etnias (por exemplo, mina, fanti, ashanti, yoruba, nagô, jeje, hauçá e outros).
Devido às pressões da Igreja Católica para a extinção da religiosidade dos grupos e também pela possibilidade de certos aspectos da religião católica serem compatíveis com as tradições africanas, as religiões afro-brasileiras apresentam significativos aspectos das crenças e dos rituais católicos:
• os participantes do Tambor-de-Mina (Maranhão) costumam realizar a festa sincretizada ao aspecto católico do império do divino, em homenagem ao Espírito Santo. (FARIAS)


As comunidades religiosas negras são
guardiãs e irradiadoras do processo
civilizatório e cultural negro

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