A RESPONSABILIDADE SOCIAL DOS TERREIROS DE MATRIZ AFRICANA E SUAS VARIANTES
Paulo Roberto Dumas
I. A construção social do conceito de responsabilidade;
II. A construção do conceito de responsabilidade nos terreiros de matriz africana;
III. III. Responsabilidade social e pertencimento cultural.
I. A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE.
a. Responsabilidade é o fenômeno de ser responsivo / responder à solicitações do meio social de forma a atender a estrutura que solicita (estabelecimento de norma);
B. Ser responsável é a capacidade que o ser social tem de determinada apreensão das normas e/ou regras a serem respondidas dentro de padrões e/ou conformidades estabelecidas enquanto tal (comportamentos e/ou condutas);
c. Ter responsabilidade: aquele(a) que ao aprender as normas ou regras, desenvolve elementos / instrumentos (os meios) responsivos e capazes de atendê-las (maturidade);
d. Responsabilidade Social é um conceito que determina comportamentos e/ou condutas (ações) compatíveis às normas / regras socialmente estabelecidas.
Obs.: A questão de responsabilidade social não é um contexto novo, porém, a sua aplicabilidade enquanto processo de “inclusão social” é que visa atender as solicitações / demandas da sociedade atual. A responsabilidade social entendida neste sentido presume que haja uma “interação / relação compartilhada socialmente dos atores / sujeitos entre si”.
II. A CONSTRUÇÃO CULTURAL DO CONCEITO DE RESPONSABILIDADE SOCIAL NOS TERREIROS DE MATRIZ AFRICANA.
a. Tempo Mítico: origem fundante das civilizações;
b. Tempo Histórico: a consecução e temporalidade dos eventos civilizatórios significativos;
c. Tempo Social: o estágio civilizatório ou civilizacional.
Cabe ressaltar que as civilizações da África Subsaariana (costa ocidental) utilizavam a ORALIDADE (tradição oral) como forma de perpetuar seus costumes e conhecimentos. Tomando como base as concepções cronológicas acima descritas, podemos verificar que, na diáspora africana e, principalmente no Brasil, para as religiões de matrizes africanas só haverá normas ou códigos éticos e de conduta se, estes, estiverem literalmente relacionados ao contexto sagrado daí, os tabus, os interditos, as restrições, os contra-axés, os ewós. Parte-se então do princípio que, a responsabilidade social dos terreiros (espaços sagrados) de religiões de matrizes africanas, prescinde de uma releitura quanto suas próprias normas, sejam internas / externas, sagradas e /ou profanas para que se possa estabelecer critérios estruturantes de ações socialmente inclusivas (políticas públicas) para essas mesmas comunidades.
Ainda conforme BALANDIER (1951) “a heterogeneidade, a complexidade e o dinamismo sociocultural, são características próprias da historicidade africana. As sociedades (africanas) não são estáticas e passivas e destacam-se as capacidades de mudanças e seu potencial revolucionário”. Entretanto, conforme as análises de ARENDT (1989) “as práticas políticas criaram e mantiveram relações sociais fundadas na assimetria, na hierarquia e na extrema desigualdade entre europeus e africanos”. Ainda, segundo a autora, “um elemento fundamental de enraizamento e sustentação desse domínio foi o racismo”. Nessa elaboração, o racismo advém da quebra do valor atribuído ao ser humano, no caso, o negro, que subtraído de suas qualidades substanciais perde a possibilidade de ser tratado como semelhante em um mundo compartilhado.
Tal contexto também é de certo modo, verificando dentro dos cultos religiosos e / ou em comunidades de terreiros de matriz africana. Agora, qual matriz africana se está falando? Aquela inventada no bojo da teoria eurocêntrica, folclorizada, mistificada ou, a que traz em si alguma essência da tradicionalidade?
Se falamos da primeira, temos que ter em conta, os malabarismos teóricos / conceituais, historicamente construídos pelo eurocentrismo e que, retiraram a negritude, a africanidade, impondo-lhe estruturas místicas européias à serviço de um emergente contexto político no Brasil. Tal conceito remonta ao surgimento da umbanda (1902/1907), no Rio de Janeiro, mais precisamente na cidade de Niterói, e a criação e institucionalização da Umbanda, através da Federação Brasileira de Umbanda. Daí a Umbanda branca, Umbanda Esotérica, Umbanda Espiritualista, os batismos astrais, os rituais de desenvolvimento de entidades espirituais, etc.
Já a segunda, mesmo com a presença de certa “tradicionalidade” seja, nos cânticos e danças africanizadas, nas indumentárias, na culinária, que expressa certa preservação dos costumes africanos (conforme Manoel Quirino) merece atenção o fato de que, a modernização dos espaços urbanos, a tecnologia, o estabelecimento de novas regras sociais, vêm limitando certos costumes que por si só, irão influenciar na manutenção da tradição. Isto não significa que a cultura seja estática.
É necessário registrar que, o processo de escravização ao qual várias civilizações africanas foram submetidas, era desvinculado das tradições dos valores africanos de várias regiões; ignorava-se não só o significado da terra para a maioria das comunidades culturais como papel dos chefes de terra. O problema é que quanto a quantidade numérica, os chefes de terra eram as chefias mais comuns exercidas nos “territórios linhageiros”, espaços geográficos constituídos por aglomerações populacionais formadas por muitos grupos de famílias e / ou familiares com afinidades culturais comuns (tradições, costumes, hábitos, língua e, por vezes, religiões). Simbolicamente, o território linhageiro significava o espaço de ligação entre os seres vivos, os mortos e os ainda por nascer. Envolvendo a metáfora de tudo que já foi realizado e o que virá a ser, encerra um sentido de continuidade que sustenta e reforça o coletivo. Por sua vez, deve-se considerar também que o africano estava potencialmente habilitado a ocupar a terra segundo normas ancestrais que organizavam essa relação, destacando-se o princípio da impropriedade do solo. (COQUERV-VIDROVITCH, 1997).
Entretanto não podemos negligenciar tais questões se, ao questionarmos as comunidades dos terreiros de matriz africana sobre sua responsabilidade social, principalmente, no atual contexto político nacional e mesmo internacional, não levaremos em conta, a presença, significativa do SAGRADO, enquanto elemento estruturante. Assim, qual responsabilidade social esperamos dessas comunidades na diáspora: a que é estruturada nos gabinetes dos governantes mediante a vigência de leis e acordos internacionais ou, aquela, advinda da própria compreensão de mundo que essas comunidades expressam?
Verifica-se pois que, o conflito situa-se de um lado, com relação ao contexto no qual se dá efeito a responsabilidade social e de outro, o conteúdo com qual, essa mesma responsabilidade se expressa. Dessa feita, estamos pois, diante da questão das POLÍTICAS PÚBLICAS vigentes na sociedade brasileira. Sejam políticas de saúde, de educação, de cultura, ou mesmo as que garantam “o estado de direito”. Essas políticas estão verdadeiramente direcionadas a todos? Há de fato, uma interação entre as comunidades de terreiro e as políticas públicas?
Tais questões surgem-nos, inquietantes, visto que, mesmo com todo um aparato de leis e convenções internacionais, ainda é visível o PRECONCEITO com o qual essas comunidades são tratadas. Mesmo com plena vigência de uma POLÍTICA PÚBLICA DA IGUALDADE RACIAL a nível nacional, é notório em alguns setores da sociedade brasileira, o descaso, a discriminação, a desinformação a respeito. Por sua vez, e aqui faço uma crítica às comunidades que, penso construtiva, permite-me, essas mesmas comunidades de terreiro, não tem percebido que, a velocidade das transformações sociais imputa um processo de reelaboração / reestruturação do qual estão abrindo a mão e, com isso, inviabilizando a construção da reafirmação cultural e, do redimensionamento de suas formas próprias de ser e ver o mundo, principalmente, o circundante.
Tal crítica emerge, devido a observação do surgimento do fenômeno da aculturação pelas Ciências Sociais, através, da importação de modelos religiosos que , de sobremaneira distorcem o simbolismo dessas mesmas comunidades terreiro, não só em suas dimensões quanto significações sociais, dentro da cultura que representam, mais precisamente na capital do Estado (São Luis,Ma.).
“O TAMBOR DE MINA, NO MARANHÃO, NÃO PRECISA CANDOMBLEIZAR-SE OU ABAHIANAR-SE PARA SUA SOBREVIVÊNCIA”. Esta portanto, seria necessariamente, sua primeira RESPONSABILIDADE SOCIAL: manter suas origens, suas especificidades, sua essencialidade, enquanto religião de matriz africana, espaço sagrado / sacralizado onde flui o AXÉ, força imaterial dos ENCANTADOS E VODHÚNS, para com seus iniciados, seguidores e simpatizantes. Quando há perda da identidade cultural ou mesmo de suas reminiscências, como no caso da diáspora, o que resta é a despersonalização, que por conseqüência irá produzir condutas alienantes e alienadas de sua própria significação.
Não pode haver RESPONSABILIDADE SOCIAL onde não há uma “identidade” fundada na luz da cultura que lhe deu origem. Os ditames da RESPONSABILIDADE SOCIAL fundam-se primeiramente, na compreensão de: quem sou? e do que sou? Ou seja, só haverá responsabilidade social SIGNIFICANTE ENQUANTO HOUVER UM pertencimento ao contexto cultural que lhe é próprio e, sua preservação.
RESPONSABILIDADE SOCIAL / PERTENCIMENTO CULTURAL
É na apropriação do PERTENCIMENTO CULTURAL que a sociedade como um todo e, seus atores em particular encontram suas regras, as normas que irão ditar suas condutas, seus comportamentos e, com isso, a RESPONSABILIZAÇÃO SOCIAL de todos por e para todos. Assim é a base da cultura de matriz africana. Uma sociedade coletiva, onde a pluralidade, a diversidade, não se contrapõe ao bem comum.
Foi assim que conseguimos atravessar quase 04 (quatro) séculos de ESCRAVIDÃO!...
Muito AXÉ a todos.