domingo, 10 de maio de 2015

COMUNIDADES TRADICIONAIS DE TERREIRO COMO ESPAÇOS DE PRESERVAÇÃO DE MEMÓRIA

COMUNIDADES TRADICIONAIS DE TERREIRO: Espaços de preservação de memória.


QUAL A FUNÇÃO SOCIAL DE UM TERREIRO?

Vivemos numa conjuntura que ao mesmo tempo em que se exerce o direito constitucional de livre expressão da religiosidade e liberdade de culto, considerando o nosso país como um Estado laico os adeptos das religiões de matriz africana vivem a mercê de um massivo projeto de desqualificação, desrespeito, desmoralização, velada ou declarada, por professar seu credo. A todo o momento, têm-se notícias de situações de agressão a nossa religiosidade e discriminação fragilizando a identidade cultural e étnico-religiosa das comunidades tradicionais de terreiro interferindo na autoestima e no sentido de pertença de um povo.
O Tambor de Mina é a denominação no Maranhão para a prática afro-religiosa e exerce influência na musicalidade, na dança, artesanato, culinária, medicina popular, na organização social, ou seja, em todas as dimensões do imaginário popular e religioso do Estado do Maranhão. Na verdade, é a referência de identidade étnico-religiosa de grande parte da população do estado. O fortalecimento desta identidade, do ser, dos modos de fazer tradicionais que pautam o mecanismo de resistência e luta contra a intolerância religiosa é imprescindível no momento em que a modernidade impõe com mais força sua “civilidade”.
O desrespeito as religiões afro-brasileiras resultam do processo histórico de escravidão e hoje é alimentado ignorância no sentido literal, não conhecer o outro e construir um juízo de valor – um pré-conceito.
No dia 23 de abril, em festa em homenagem ao Orixá Ogun conversamos com o Babalorixá Pai Wender de Xangô do Tambor de Mina do Maranhão.

Segundo o Babalorixá Pai Wender de Xangô do Ilê Axé Obá Izo, Terreiro de Mina do Rei do Fogo, situado no bairro da Liberdade, os ~Terreiros são espaços tradicionais de resistência que vão além da realização do culto.


“”A função dos terreiros é de desconstruir a ideia de negatividade que as pessoas e a própria mídia mostra continuamente nas nos programas neopentecostais de televisão. Sendo a Liberdade um bairro periférico, e baixos índices educacionais e elevados índices de violência os terreiros se apresentam então como espaços religiosos que contextualizam a vida em várias dimensões: histórica, política social oferecendo a esta comunidade uma referência com modelos de convivência baseada em respeito hierárquico, responsabilidade com o outro, de ajuda mutua e integridade de caráter” afirmou.
Pai Wender de Xangô diz ainda que “os terreiros são lugares de práticas pedagógicas, espaços de desenvolvimento saberes e fazeres baseados na cidadania e luta contra qualquer forma de discriminação e preconceito, fomentando valores éticos e morais. Se apresentam ainda como alternativas de serviços de saúde, aconselhamento, de assistência social mesmo, baseado no legado ancestral de proteção à vida.
É somar com a comunidade na redução e prevenção da violência quando inclui jovens em risco social para dentro da vivência colaborativa e acolhimento. Esse resgate se dá pelo trabalho de mostrar a importância da religião como veículo de transformação social pois reafirma a importância do legado da cultura negra na construção desse país. “
“Ter uma casa de santo na Liberdade é um desafio já que vai de encontro a lógica racista e preconceituosa da sociedade quando inclui a comunidade em suas atividades, bem como o inverso, vai também a comunidade para conhecer e integrar-se” finalizou.


Ainda da Festa em comemoração a Ogun no Terreiro do Pai Wender entrevistamos que trabalha os Terreiros como ESPAÇOS DE PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA o que contribui para ampliar o entendimento sobre a importância destes espaços para a sociedade e para a história e memória do pais o que fortalece a luta contra o desrespeito, preconceito, pilares da INTOLERÂNCIA RELIGIOSA que sofrem estas comunidades.


O Pr. Dr. Greilson José de Lima é Antropólogo, graduado em Ciências Sociais, Doutor e Mestre em Antropologia (UFPE) com um estágio Pós-Doutoral em Sociologia (UFPB) e outro em Antropologia (UFPE). Hoje é Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Maranhão e Coordenador do grupo de pesquisa: Núcleo de performance, memória e religiosidades.

MATRIZES - QUAL A IMPORTÂNCIA DA VISÃO DOS TERREIROS COMO ESPAÇOS DE MEMÓRIA VIVA?
Resposta - Segundo Fonseca (2003), as pesquisas históricas têm constatado, no caso particular do Rio de Janeiro, que esta cidade na primeira metade do século XIX, foi quase africana, porém isto não ficou registrado nos bens que ali são identificados como patrimônio cultural brasileiro. E, o que fica latente, é que a política patrimonial tem sido conservadora e elitista e, na maioria das vezes seus critérios privilegiam bens dos grupos sociais de tradição europeia, que no caso brasileiro, correspondem as classes sociais mais abastadas.
Os terreiros são espaços de memória e toda memória é viva, o que marca a noção de memória é seu caráter atual e agregado a um coletivo que se reinventa. A questão é a representação dessa memória frente ou que o Estado vem definindo como patrimônio nacional, é uma questão de reconhecendo e de dar visibilidade ao que os terreiros sempre foram, parte da história da religiosidade e da cultura do nosso país, assim como, um lugar de aprendizado, de saberes outros que podem enriquecer nossa educação formal, inda alheia as potencialidades de outros saberes.
Muitos terreiros levam manifestações às ruas, o caso dos bois de encantaria, maracatus e outras manifestações que compõe seus rituais. Sabemos que muito da musicalidade e ritmos considerados brasileiros saíram dos terreiros, deste modo, os terreiros sempre fizeram parte das manifestações culturais e revelaram, cada um a sua forma, parte de suas tradições para sociedade mais ampla. Porém, o que acredito ser particular a esse momento histórico que vivemos é que, muitos terreiros que faziam uso de estratégias como o sincretismo ou invisibilidade de suas práticas para reduzir a opressão vêm compondo outra forma de enfrentamento. Este enfrentamento tem ocorrido diferente do que ocorreu, não pela invisibilidade, mas pelo ato de mostrasse ou reivindicarem serem mostrados de uma forma positivada, ou seja, a arena agora é o da performance política.
Acredito que os terreiros que reivindicaram sua condição de quilombo ou constroem memórias ou similares, estão assumindo o ato de contar suas histórias frete as representações outras marcadas pelo preconceito e discriminação. Se antes as estratégias eram a reclusão, escamoteamento de suas práticas vemos iniciativas mais afirmativas destes grupos, à medida que se tornam agentes de sua história, construindo nos interiores dos seus terreiros seus próprios acervos. Onde nestes espaços da memória, juntam objetos, imagens, textos e recontam a histórias dita oficial.
Outro elemento importante, além do apontado, é compreender como estas religiões marcadas pelo segredo e mistérios, espaço sagrados de acesso restrito, saberes e poderes apenas compartilhados por seus mestres, sacerdotes como elemento de fortalecimento de seus legados, estão compondo um espaço de exposição. E, por sua vez, a inserção em outros espaços, marcam disputas ou agregam na cena das identidades que podemos dizer nacional. Identidade estas, que se propõe agregadora dos diversos segmentos sociais, no tocante as políticas patrimoniais.
O que devemos reivindicar é o direito dos diversos grupos sociais de se representarem e, mediante a diversidade cultural do nosso país, o que chamamos de patrimônio, seja capaz, de algum modo, de permitir que diferentes grupos possam se reconhecer nesse repertório. Marcamos alguns apontamentos - (1) a importância de um estudo que explore as relações dos terreiros para além deste, ou os mecanismos pelos quais estes vêm se fazendo perceber pela sociedade envolvente; (2) as ações dos museus em outros lugares, como ação educativa e reflexiva sobre as bases da nossa educação formal e estatal e; (3) a importância de uma reflexão sobre a noção de patrimônio que, contemple a diversidade cultural e não apenas as histórias das elites, que permita que os “sem história” possam contar o que não foi dito ou bem dito pela história oficial.
MATRIZES - QUAL SUA POSIÇÃO ENQUANTO PESQUISADOR DA IMPORTÂNCIA DA ACADEMIA E SUAS PESQUISAS NOS TERREIROS?
R - As pesquisas sobre os terreiros ou as religiões afro-brasileiras na Antropologia Brasileira, sempre teve destaque e continua atraindo a curiosidade dos pesquisadores. A curiosidade acadêmica sobre os terreiros se estabelece, primeiramente, por esses serem espaço de sociabilidade que agregam memória, narrativas e diversos saberes e, segundo, por serem espaços paradigmáticos para pensar a sociedade brasileira e suas contradições.
Falo paradigmático porque, dos estudos sobre terreiro podemos pensar a indolências religiosa, racial e étnica sofrida pelos grupos de origem africana que compõe o que somos enquanto nação. Estas pesquisas além de investigar os elementos simbólicos, registraram a luta e resistência desses grupos frente a perseguições do Estado e da Justiça que criminalizava suas práticas e cultos. As perseguições e intolerâncias ainda continuam, houve avanços, porém, novas formas de repressão vem se redesenhado no campo religioso brasileiro, o que demanda mais pesquisas que identifiquem o desenvolvimento destas problemáticas.
As lutas dos movimentos sociais têm uma grande importância para as conquistas dos direitos sociais ou da manutenção destes direitos, por outros meios, o campo acadêmico que é diverso e complexo (que se desdobra no ensino, pesquisa e extensão) é mais uma ferramenta que, por meios de suas pesquisas e ações educativas, podem promover uma leitura mais críticas dos processos sociais. Contudo, penso que, assim como os movimentos sociais, a academia e a ações dos seus pesquisadores, tem suas potencialidades e limitações que, dependo dos seus princípios e capacidades de diálogo podem promover ou não uma sociedade mais democrática e tolerante.
Enquanto pesquisador, em particular na pesquisa sobre a memória das religiões afro-brasileiras, acredito que minha função é interpreta os processos pelos quais os líderes religiosos e suas comunidades ou terreiros vem se relacionando com a sociedade envolvente, por meio de artefatos (vídeos, livros, imagens e outros objetos) ou como estes se veem representados nos museus locais. Acredito que todo e qualquer conhecimento tem que ter como princípios a dignidade das pessoas, tendo como meta a promoção de uma sociedade mais democrática e ética. Com base nestes princípios, acredito que as pesquisas do grupo que coordeno irão contribuir com o debate que envolve as religiões afro-brasileiras e sua memória no contexto nacional e em particular no Estado do Maranhão.

UM RESUMO RÁPIDO DA PESQUISA DO PROFESSOR DOUTOR GREILSON LIMA
Gostaria de apresentar, rapidamente, a pesquisa que coordeno intitulada: Patrimônio, memória e os tesouros do sagrado: ações museais das casas de cultos de matriz africana e ameríndias no Estado do Maranhão, uma ação do Núcleo de Performance, Memória e Religiosidades da UEMA.
Esta vem analisando as ações de registro da memória na e das casas de culto afro-brasileiras no Maranhão, a partir dos acervos no interior dos terreiros e dos acervos em museus do Estado (digital ou não). De modo a investigar como estas formas de registro da memória, dialogam com o universo simbólico/religioso dos artefatos e como contribuem enquanto mecanismos de resistência e de ação afirmativa destes grupos religiosos, vitimados por uma história de preconceito, permitindo ou não que estes venham afirmar o direito a reconstrução de suas narrativas e a escrita de suas histórias frente às políticas patrimoniais vigentes.
Deste modo, partimos da premissa que, o que devemos reivindicar é o direito dos diversos grupos sociais de se representarem e, mediante a diversidade cultural do nosso país, o que chamamos de patrimônio, seja capaz, de algum modo, de permitir que diferentes grupos possam se reconhecer nesse repertório. Marcamos alguns apontamentos teóricos no tocante ao direcionamento desta pesquisa: (1) a importância de um estudo que explore as relações dos terreiros para além deste, ou os mecanismos pelos quais estes vêm se fazendo perceber pela sociedade envolvente; (2) as ações dos museus, em outros lugares, como ação educativa e reflexiva sobre as bases da nossa educação formal e estatal e; (3) a importância de uma reflexão sobre a noção de patrimônio que, contemple a diversidade cultural e não apenas as histórias das elites, que permita que os “sem história” possam contar o que não foi dito ou bem dito pela história oficial.
Esta pesquisa conta com a investigação de três museus maranhenses que, contam em seus acervos, com artefatos, imagens, vídeos e textos que remetem as religiões afro-brasileiras: O Cafua das Mercês (ou Museu do Negro); o Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho e; O Museu Afro-Digital do Maranhão. Além destes espaços, nossa pesquisa irá contar com os registros da memória ou os modos que esta se apresenta em quatro casas de cultos do Maranhão :(i) a Casa das Minas, (ii) a Casa de Nagô, (iii) a Casa Fanti-Ashanti e (iv) o Terreiro de Iemanjá do Falecido Jorge De Itacy.
Como existe todo um debate, a nível nacional, sobre as minorias raciais e étnicas e as ações afirmativas que buscam restituir a dignidade e a alto estima destes grupos, esta pesquisa, que explora o contexto das religiões afro-brasileiras no Maranhão, incita uma a reflexão desta problemática, buscando contrapor as formas antes depreciativas e como estes foram representados em museus, apontando meios alternativos pelos quais estes grupos vêm construindo suas narrativas antes invisibilizadas. E, quando confrontamos narrativas de forma respeitosa, reconstruímos a história, e este fato, nos permite, além de uma contribuição teórica e epistêmica, uma atitude de cidadania e respeito às diferenças.
Por sua vez, este pesquisa, também se justifica por suas metas que são: (1) construir um panorama das iniciativas museais no Estado do Maranhão, em terreiros de religião afro-brasileira, bem como as implicações políticas dos seus agentes e idealizadores na elaboração e exposição de seus acervos; (2) avaliar como estas ações funcionam como dispositivo de inclusão social e cidadania destes grupos religiosos, bem como, apontam para o novo processo de produção e institucionalização de memória constitutiva da diversidade étnica, religiosa e cultural do país e nossas formas de ensino e aprendizagem; (3) colaborar na construção de um acervo de imagens dos memoriais e produções textuais sobre estas experiências e, em consenso com estes grupos, disponibilizar virtualmente, de uma forma que seja constantemente realimentado e funcione como espaço diálogo. E, desta forma, visibilizando e promovendo o acesso a esse acervo; (4) atuar como agente de qualificação de estudantes de graduação dos cursos de Ciências Sociais (licenciatura e bacharelado) da Universidade Estadual de Maranhão.
(Dr. Greilson José de Lima - Antropólogo, professor e pesquisador da UEMA)